Patologização da infância
E o afago impiedoso que nos damos e podem destruir as chances de vida dos nossos filhos.
Cuide os marcos. Eles existem por um bom motivo. Por mais que cada criança tenha seu tempo, por favor, observe seu filho e os marcos de desenvolvimento na infância. Não por que você superprotege ou tem neurose. Mas por que alguém precisa fazer isso. Somos responsáveis pelo desenvolvimento de um pequeno ser humano. Talvez não por escolha própria, mas ainda assim, aquele ser depende de nosso cuidado.
Não se trata de patologizar comportamentos infantis considerados normais, como muito se fala. É perceber que a criança pela qual você é responsável tem dificuldades que não consegue superar sozinha e que você, adulto responsável, não tem competência para lidar sozinho.
É reconhecer que de vez em quando se precisa de ajuda profissional.
O que são os marcos do desenvolvimento infantil?
Uma espécie de régua padrão para cuidar o desenvolvimento do bebê. Para detectar que não seguem o padrão neurotípico. Ou seja, se ele foge da curva do que é considerado padrão para sua idade.
O que é neurodiversidade? Primeiramente,a neurodiversidade é consequência da diversidade biológica do cérebro humano. Existe uma forma considerada padrão (e que é hegemônica) do ser humano vivenciar a própria existência. Os caminhos que o cérebro toma para poder falar, conversar, são mais ou menos os mesmos de humano para humano. Porém, como ser humano é diverso, alguns cérebros funcionam de forma diferente. Neurodiverso é aquele cujo cérebro pode processar a informação de forma diferente como é esperado. Não quero usar o termo normal, mas sim o que é o comum. E o que costuma ser mais fácil. Por que é muito difícil fazer certas coisas se o seu cérebro luta contra isso, ou não sabe como fazer isso.
Os neurodiversos são as exceções da regra.
Alguns dos exemplos de neurodiversidade são aqueles que são TDAH (Transtorno do deficit de atenção e hiperatividade) ,os que de TEA (transtorno do espectro autista) , os que tem depressão, os que tem TEL (transtorno especifico da linguagem), os que tem PC (paralisia cerebral) Seu cérebro funciona de forma diferente daqueles que são típicos.
E o primeiro sinal de alerta costuma ser fala. É o mais gritante para os pais. Afinal, como se comunicar com alguém que não sabe como fazê-lo?
Existem outros. E que vem antes. Existem marcos motores, marcos de linguagem, marcos cognitivos e marcos emocionais. Nesse link em inglês, que peguei do Lagarta Vira Pupa da Andrea Werner, eles são muito mais detalhados.
Mas é importante lembrar, é só procurar por marcos de desenvolvimento infantil e você vai achar o que precisa saber para acompanhar o desenvolvimento da criança pela qual é responsável.
Não acredite nunca que cada criança tem seu tempo. Por que ao esperar o tempo dela passar, você pode fechar uma janela que não vai mais abrir.
Uma coisa muito interessante no cérebro humano em desenvolvimento: ele não cria estradas novas. Ele as perde. Um exemplo maravilhoso que vi no documentário (disponível no netflix) a “O Começo da Vida” , quando a criança nasce, suas conexões neurais parecem ruas de cidades que cresceram de maneira orgânica, cheias de ligações. Conforme elas crescem, parecem com as ruas de uma Paris após a reforma do século XIX, com poucas ruas largas e eficientes. Quando certas conexões não são estimuladas/utilizadas, elas são perdidas para sempre. Isso acontece em um processo chamado poda neural. A primeira ocorre aos três anos de idade. Tempo perdido é algo que não volta.
Então quando detectado o atraso, é de extrema importância procurar um diagnóstico e as terapias necessárias para que os sintomas sejam amenizados. Por que a estimulação em si não faz mal. O que faz mal é não estimular a criança para que ela sobrepuje suas dificuldades.
Não é sobre você
Tampouco é sua culpa
Quando a criança não atinge alguns marcos, quando há suspeita de algum transtorno, há uma tendência cruel de se culpar alguém. Geralmente a mãe. Mas olhe, a culpa não é sua. Se a criança tem algum transtorno, e se é de causa genética, a culpa não é sua. Foi uma combinação genética que deu errado. Um acidente. Acontece. Não foi falta de amor. Não foi falta de beijo. Não foi falta de abraço. Tampouco foi falta de estímulo. A culpa não é sua.
Acontece. Com qualquer um, a qualquer momento, acontece. Ninguém tem controle sobre esse tipo de coisa.
Procure ajuda profissional se o peso da situação for grande. Muitas vezes os familiares elencam um culpado e o perseguem nessas horas. E isso dói. Assim como dói a perspectiva de saber que a criança ali diante de seus olhos talvez não faça coisas que idealizamos para ela (um spoiler sem graça, talvez mesmo se você neurotípica, ela não viesse a fazer tais coisas). Ter que enterrar um sonho cedo demais dói. E um profissional ajuda nessas horas a compreender a situação através de um quadro maior.
Existem amigos e familiares que talvez digam a seguinte frase:
Essa criança é normal! Tu que perdeu a cabeça e inventando coisa onde não tem!
Ignore isso. Você é a pessoa que convive 24h por dia com essa criança. Você procurou informações. E você viu que a criança não se enquadra na régua do tipicidade. Então, vá atrás de respostas. Mesmo que não seja nada. Mesmo que pareça que você está procurando pelo em ovo.
Procure respostas
Não há ninguém que conheça a criança diante de si do que aquela pessoa que a cuida e é responsável por ela. Ninguém. Não existe olhar melhor que o seu em relação à essa criança. Entretanto você precisa realmente ver essa criança em sua completude, tal como ela é, sem expectativas.
E os únicos que podem realmente ajudar essa criança com dificuldades são os adultos que cuidam dessa criança.
Crescer com dificuldades é horrível. Ter que se virar para se auto-compensar durante toda uma vida é muito ruim. Muitos desses transtornos vem junto com isolamento social como consequência das próprias dificuldades que a criança sem tratamento tem que aprender a lidar sozinha, justamente por que os pais acreditam em uma “normalidade” que não existe.
E acima de tudo: seja o apoio que a criança precisa que você seja. Supere a si mesmo e a seus medos. Desconfiar que seu filho não seja neurotípico é dificil. É duro. Dói. Ter que correr atrás de um diagnóstico é um processo mais doloroso ainda em alguns casos. Entretanto, essa criança precisa de seu apoio. Por que é somente com você que ela pode realmente contar para vê-lo como um ser humano.
“Para os que nos acompanham, eu peço: por favor, lidem com nossas questões de comportamento acreditando que, em algum momento no futuro, elas vão passar. Quando não nos deixam fazer alguma coisa, podemos causar a maior confusão por causa disso, mas em algum momento vamos nos acostumar. Até lá, gostaríamos que vocês permanecessem do nosso lado.”
Naoki Higashida, no livro “O que me faz pular”.